quarta-feira, 22 de outubro de 2014

DO MESSIANISMO BACOCO AO MUITO MUITO LOUCO ...Lisboa á beira-mar, cheia de vistas, Ó Lisboa das meigas Procissões! Ó Lisboa de Irmãs e de fadistas! Ó Lisboa dos lyricos pregões... Lisboa com o Tejo das Conquistas, Mais os ossos provaveis de Camões! Ó Lisboa de marmore, Lisboa! Quem nunca te viu, não viu coisa boa... II És tu a mesma de que falla a Historia? Eu quero ver-te, aonde é que estás, aonde? Não sei quem és, perdi-te de memoria, Dize-me, aonde é que o teu perfil se esconde? Ó Lisboa das Naus, cheia de gloria, Ó Lisboa das Chronicas, responde! E carregadas vinham almadias Com noz, pimenta e mais especiarias...[68] III Ai canta, canta ao luar, minha guitarra, A Lisboa dos Poetas Cavalleiros! Galeras doidas por soltar a amarra, Cidade de morenos marinheiros, Com navios entrando e saindo a barra De prôa para paizes extrangeiros! Uns p'ra França, acenando Adeus! Adeus! Outros p'r'as Indias, outros... sabe-o Deus! IV Ó Lisboa das ruas mysteriozas! Da Triste Feia, de João de Deus, Becco da India, Rua das Fermosas, Becco do Falla-Só (os versos meus...) E outra rua que eu sei de duas Rozas, Becco do Imaginario, dos Judeus, Travessa (julgo eu) das Izabeis, E outras mais que eu ignoro e vós sabeis. V Meiga Lisboa, mystica cidade! (Ao longe o sonho desse mar sem fim.) Que pena faz morrer na mocidade! Teus sinos, breve, dobrarão por mim. Mandae meu corpo em grande velocidade, Mandae meu corpo p'ra Lisboa, sim? Quando eu morrer (porque isto pouco dura) Meus Irmãos, dae-me alli a sepultura![69] VI Luar de Lisboa! aonde o ha egual no Mundo? Lembra leite a escorrer de tetas nuas! Luar assim tão meigo, tão profundo, Como a cair d'um céo cheio de luas! Não deixo de o beber nem um segundo, Mal o vejo apontar por essas ruas... Pregoeiro gentil lá grita a espaços: «Vae alta a lua!» de Soares de Passos. VII Formoza Cintra, onde, alto, as aguias pairam, Cintra das solidões! beijo da Terra! Cintra dos noivos, que ao luar desvairam, Que vão fazer o seu ninho na serra; Cintra do Mar! Cintra de Lord Byron, Meu nobre camarada de Inglaterra! Cintra dos Moiros com os seus adarves, E, ao longe, em frente, o Reyno dos Algarves!

Romantica Lisboa de Garrett!
Ó Garrett adorado das mulheres,
Hei-de ir deixar-te, em breve, o meu bilhete
Á tua linda caza dos Prazeres.
Mas qual seria a melhor hora, ás sete,
Garrett, para tu me receberes?
O teu porteiro disse-me, a sorrir,
Que tu passas os dias a dormir...[70]

IX

Pois tenho pena, amigo, tenho pena;
Levanta-te d'ahi, meu dorminhoco!
Que falta fazes á Lisboa amena!
Anda vêr Portugal! parece louco...
Que patria grande! como está pequena!
E tu dormindo sempre ahi no «choco».
Ah! como tu, dorme tambem a Arte...
Pois vou-me aos toiros, que o comboio parte!

X

Ó Lisboa vermelha das toiradas!
Nadam no Ar amores e alegrias.
Vêde os Capinhas, os gentis Espadas,
Cavalleiros, fazendo cortezias...
Que graça ingenua! farpas enfeitadas!
O Povo, ao Sol, cheirando ás marezias!
Vêde a alegria que lhe vae nas almas!
Vêde a branca Rainha, dando palmas!

XI

Ó suaves mulheres do meu desejo,
Com mãos tão brancas feitas p'ra caricias!
Ondinas dos Galeões! Nymphas do Tejo!
Animaeszinhos cheios de delicias...
Vosso passado quão longiquo o vejo!
Vós sois Arabes, Celtas e Phenicias!
Lisboa das Varinas e Marquezas...
Que bonitas que são as Portuguezas![71]

XII

Senhoras! ainda sou menino e moço,
Mas amores não tenho nem carinhos!
Vida tão triste supportar não posso:
Vós que ides á novena, aos Inglezinhos.
Senhoras, rezai por mim um Padre Nosso,
N'essa voz que tem beijos e é de arminhos.
Rezae por mim, vereis,—vossos peccados,
(Se acaso os tendes), vos serão perdoados...

XIII

Rezae, rezae, Senhoras por aquelle
Que no Mundo soffreu todas as dores!
Odios, traições, torturas,—que sabe elle!
Perigos de agoa, e ferro e fogo, horrores!
E que, hoje, aqui está, só osso e pelle,
A espera que o enterrem entre as flores...
Ouvi: estão os sinos a tocar:
Senhoras de Lisboa! ide rezar.

FICAVA MAL IDE BROCHAR 

OU MESMO DEBUXAR NO DEBOCHAR

E MESMO DESABROCHAR EN SALAZAR 

É O SÉCULO XIX LOGO POR AZAR

Ainda bem, Senhor! que deste a noite ao mundo.
Gosto do sol, oh certamente! mas segundo
O meu humor. Á noite, ha esquecimento, ha paz,
De dia, apenas tenho um ou outro rapaz
Para a palestra. Ah sim! e o mar tambem ás vezes.
Mas agora (ha aqui uns tres ou quatro mezes)
Faço da noite dia. As grandes descobertas
Que eu descobri! Estou de janellas abertas
Quando os outros estão de janellas fechadas...
Ó fontes a correr como linguas de espadas,
Ó fontes a furar quaes mineiros a fragoa,
Ó fontes a rezar, como freirinhas d'agoa,
Com ladainhas na voz, de joelhos nas encostas,
E só vos falta estar, como ellas de mãos postas!
Ouvi, lá rezam: sob o céu todo estrellado,
«Padre-Nosso! que estás no céu, sanctificado...»
Noites e dias sem parar um só momento,
Só vós me ouvis, e eu só a vós e mais o vento.
Que dôr é a vossa! qual será? não sei, não sei
Chorae, fontes, chorae! Fontes correi, correi![73]
Agoas, só de perdão, suspiros e piedades,
Ó fontes de Belem! Ó fontes de saudades!
Contae para eu scismar, uma bonita historia
Qualquer, a que vos vier mais depressa á memoria.
Contae que eu sou ainda uma criança, gosto
Tanto de historias! pelas luas brancas de agosto!
Ó rios a contar historias, como as criadas,
Historias de ladroes, mais historias de fadas,
A do Zé do Telhado e da triste viuva
Que só sahia á rua pelas noites de chuva!
E essa (que faz chorar) de Pedro Malas Artes!
Os tristes ventos a assoprar das quatro partes:
São os ventos do sul: (cegos pedindo esmolas,
Soffrem tanto com elle!) mais o vento das Rôlas;
Mais o que vem do oeste, que abre e fecha as portas
E geme nos pinheiraes, pelas noites mortas
Erguendo as folhas seccas, cahidas pela terra.
Mais o vento do norte, o vento da Inglaterra
Que azula o céu e o rio, e deu ao mar a gloria
De levar as Naus do Gama á India da victoria.
E o mar, Senhor! o mar, ai! como chora ás Luas!
Pelos seus golphos e canaes (as suas ruas)
Sonetos de ais que só comprehende quem ama:
E de noivos a quem deu o lençol e a cama.
As descobertas dos meus Paes, dos Portuguezes:
(Pois quando está p'ra isso tambem conta ás vezes)
O mar! como elle conta ás noites tanta historia,
Contos de cavalleiros sublimes de victoria;
Contos de espadas nuas, em mãos desses guerreiros,
E contos de segredo que ouviu aos marinheiros[74]
Lá pelas noites calmas, á luz da lua branca,
Quando choram seus males, que só a lua estanca.
O mar! O mar, oh sim! O mar é meu amigo.
Quantas vezes a rir, vem conversar commigo
N'essas noites tão longas d'infinda solidão
Em que vela no mundo, tão só meu coração!
Quantas vezes na hora em que dormem crianças
E as flores dormem tambem, e dormem as esp'ranças
Para embalar o peito de quem no mundo as tem;
Á hora em que ha mais treva nas sombras desta terra,
(Que tantas sombras, ai! de dia mesmo encerra.)
Á hora em que ha mais luz no céu todo estrellado,
Eu fico só e scismo, nas dôres do meu passado.
E quando emfim eu chóro, pensando nessas magoas
Lá oiço a voz sublime d'aquellas grandes agoas
Que querem vir chorar commigo e conversar.
Historia é uma d'elle, esta que vou contar;
Ouvi-a em alta noite escura de janeiro
E p'ra m'a vir contar, o Mar chorou primeiro.